[Edição 3] “Mira Técnica”: 24 Horas de programação televisiva

Por Paulo Andrade

24 HORAS

Em programação televisiva são utilizadas diferentes técnicas e estratégias para elaborar uma grelha de programas.

A partição do dia de acordo com o consumo de televisão e o perfil do público é uma prática generalizada bastante útil que permite a adequação dos programas emitidos, garantindo retorno audiométrico e financeiro à estação.

Geralmente os dias úteis são divididos em seis partes:
Breakfast entre as 06h00 e as 10h00 – corresponde ao período em que a maioria das pessoas acorda e se preparam para sair de casa para o trabalho ou para a escola. Geralmente são emitidos programas de notícias que disponibilizam informações úteis como o trânsito e o tempo.
Daytime entre as 10h00 e as 18h00 – corresponde ao período do dia em que a maioria dos espectadores disponíveis é donas de casa e reformados, sendo geralmente exibidos talk-shows e telenovelas. No passado as crianças e jovens também eram um público importante neste período, contudo a diminuição da natalidade, a generalização do Ensino Pré-escolar e a criação de programas extra-curriculares fizeram com que deixassem de assistir televisão nestes horários.
Prime Access entre as 18h00 a as 20h00 – período importante para captar a população que saiu de casa pela manhã e regressa por volta desta hora, funcionando como lead-in para o horário seguinte.
Primetime entre as 20h00 e as 00h00 – corresponde ao período de maior audiência com todos os públicos presentes, sendo por isso escolhido para emitir as principais apostas de cada canal.
Latenight entre as 00h00 e as 02h00 – funciona como lead-out do horário nobre e quando o consumo televisivo começa a diminuir drasticamente.
Overnight entre as 02h00 e as 06h00 – corresponde ao período de menor audiência do dia e é por isso que são emitidos programas externos como as “Televendas”. Este período só começou a ser programado em meados dos anos 90 com a chegada dos operadores privados, exibindo-se anteriormente a mira técnica após o fecho da emissão.

É importante notar que os intervalos horários apresentados são resultado de um compromisso entre as práticas actuais de programação e os dados estatísticos.

Qual o contributo de cada período para o desempenho diário de um canal?
Em Portugal, a quota diária de cada canal resulta de uma média ponderada ao minuto, isto é, depende do consumo televisivo, sendo por isso atribuído um peso relativo e não absoluto.
É por isso que um share de 50%, por exemplo, às 10 horas contribui cerca de 15 vezes menos para a média dia do que um share de 50% doze horas, isto é, às 22 horas.

Geralmente o breakfast e o overnight representam cada um cerca de 5% da audiência diária, seguindo-se o latenight com quase o dobro, o prime access com 15%, o daytime com pouco mais de 25% e por último o primetime com mais de 40%. É preciso ter em atenção também a duração absoluta de cada período, que muitas vezes inflaciona o seu peso relativo. Por exemplo, o daytime tem o dobro da duração do prime access e latenight juntos mas contributos semelhantes para a performance diária.

A partir destes valores surgem análises e comparações interessantes que ajudam a perceber ou a questionar as opções de programação. Por exemplo, porque razão o horário nobre concentra o grosso do investimento da grelha de cada canal ou dos anunciantes e a madrugada é praticamente ignorada.
Por outro lado, reparamos em algumas incongruências como investir mais no daytime do que no prime access e latenight, quando o peso relativo é semelhante, mas o retorno de cada hora programada é maior.

O daytime é ainda sinónimo de um segundo paradoxo com os três canais generalistas a concorrerem exactamente com o mesmo tipo de oferta em cada hora de programação.
Isto levou a uma situação caricata em que os três canais generalistas muitas vezes competem por uma audiência comum inferior à audiência restante. Por exemplo, entre as 16 e 18 horas a soma da audiência obtida pelos três talk-shows é praticamente a mesma daquela que opta por outro tipo de oferta. Este fenómeno acontece noutros horários, e alguns com um peso relativo significativo como é o caso da transição entre o horário nobre e o latenight – 23h30 às 00h30, quando são emitidas as últimas telenovelas da noite dos canais privados que perdem no conjunto cerca de 10 pontos de share relativamente às duplas emitidas anteriormente, revelando rejeição deste género televisivo, resultado da diferença do perfil do público do horário nobre e latenight.

Porque razão o horário das 18 horas está semi-abandonado quando é mais importante que as três horas de emissão dos talk-shows matinais? É outra questão interessante que se pode colocar a partir destas considerações.

Em suma, uma estação de televisão deve concentrar os esforços de programação entre o prime access e o latenight, onde o investimento tem retorno.

No passado, a SIC e a TVI conseguiram chegar à liderança absoluta das audiências apenas com estes horários. O conforto resultante desta situação permitiu então investir nos restantes períodos, mesmo que não tivessem o retorno necessário.

Hoje em dia, o panorama televisivo alterou-se significativamente com o aumento da oferta que levou a uma dispersão do universo televisivo, sendo mais difícil conseguir audiências tão expressivas e com o mesmo tipo de contributo para o desempenho diário e ainda com a escassez de recursos financeiros resultado da crise atual que não permite dar resposta a todas as necessidades de programação.

Por isso, a liderança absoluta vai perdendo importância para a liderança no target comercial, especialmente agora que não existe correspondência entre as duas como aconteceu até há alguns anos.

Numa próxima crónica irei abordar outras técnicas de programação que são completamente ignoradas pelos operadores de sinal aberto apesar da sua importância para o desempenho dos programas.

No entanto, na próxima semana o tema será qual o rumo que a programação da SIC deveria seguir nos próximos tempos atendendo às circunstâncias actuais e eventuais objectivos de liderança.

Fiquem em boa companhia. Até à próxima.

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