[Raio Z] Entrevista a Ruy de Carvalho: “Apostar no que é português é sempre o melhor.”

Considerado, por muitos, como o melhor ator português de todos os tempos, Ruy de Carvalho participou em inúmeras produções televisivas, como ‘Vila Faia’, ‘Todo o Tempo do Mundo’, ‘Saber Amar’ ou ‘Tempo de Viver’.
Neste momento pode ser visto em ‘Bem-Vindos a Beirais’, no papel de Viriato Montenegro.
Hoje, submete-se ao Raio Z, numa entrevista profissional com um toque pessoal.

Zapping: Para começar, quem é Ruy de Carvalho?
Ruy de Carvalho: É um homem, como todos os outros. Sou normalíssimo. Faço tudo o que as outras pessoas fazem. Fui casado 53 anos, eduquei os meus dois filhos, nunca deixei de ir às compras ou de fazer a minha comida, quando necessário, e de andar de transportes públicos, quando o dinheiro não abundava.
É claro que o facto de ter escolhido a profissão de ator me tornou conhecido, mas nunca deixei de ser a pessoa que os meus pais educaram.

Z: De onde surgiu a sua paixão pela representação?
RC: Eu tinha dois irmãos atores e o mundo do teatro nunca me foi vedado, antes pelo contrário. A minha mãe, que era uma pianista maravilhosa, nunca deixou de me incutir o gosto pela arte, bem como o meu pai, apesar de ser militar, e isso deve ter tido um grande peso na minha decisão. A primeira coisa que fiz era muito pequeno, na Covilhã, mas aos 15 anos decidi que era o que queria ser.

Z: Qual foi até agora a personagem que mais o marcou?
RC: O cego da peça ‘Render dos Heróis’, do Cardoso Pires. Foi um papel que me preencheu, mas fiz muitas outras que adorei, como o Rei Lear e a Tempestade, do William Shakespeare. Mas não posso esquecer todos os autores portugueses que representei, a começar pelo Gil Vicente.

Z: O que está a achar da série ’Bem-Vindos a Beirais’?
RC: Gosto muito do papel que estou a fazer e gosto muito da série. Ir para as gravações, na SP Televisão, e ter regressado à RTP, é também um grande motivo de satisfação.

Z: E da sua personagem, o Viriato?
RC: O Viriato é uma figura carismática. Está a ser muito interessante fazer. Mas não posso falar muito dele.

Z: Depois de ‘Bem-Vindos a Beirais’, tem algum projecto em vista?
RC: Estou a fazer um espetáculo com o meu filho e o meu neto, João de Carvalho e o Henrique de Carvalho, também eles atores. Chama-se ‘Trovas & Canções – Actores, Poetas e Cantores’. É um espetáculo onde cantamos os poemas que serviram as mais famosas canções portuguesas do último século. Pretendemos que as salas de Portugal cantem em uníssono os grandes temas dos nossos melhores poetas, recitados e cantados agora por Atores e Cantores, que mostrarão como o instrumento da poesia não é só a palavra, mas também pode ser a música e os gestos.

Z: Há algum papel em especial que gostaria de desempenhar?
RC: Acho que já fiz de tudo, mas também agora só posso fazer velhos. Por isso, já não tenho grandes ambições. Mas há ainda muita coisa que eu gostaria de fazer, mesmo com a idade que tenho. Haja saúde e eu lá estarei.

Z: Como é que as pessoas o abordam na rua?
RC: Muito bem. São sempre muito simpáticas comigo. Nunca fui de me afastar das pessoas, acho que isso não é bom. Acho que isso também faz com que as pessoas sejam sempre gentis e não me interpelem de forma desagradável.

Z: Nos últimos anos, SIC e TVI, e agora a RTP1 têm apostado em força na ficção nacional. O que acha desta aposta? E acompanha alguma produção em especial?
RC: Apostar no que é português é sempre o melhor. Nós temos muitas coisas boas. E na ficção nacional também não ficamos atrás de ninguém. Talvez, ainda não tenhamos a indústria que os Brasileiros têm, mas podemos ter. Lembro-me que em 1966, quando fui a primeira vez ao Brasil, ao Festival de Cinema do Rio de Janeiro, as telenovelas eram um pavor e nós nunca passámos por isso. Quando começámos, começámos logo de uma forma correta e com qualidade, e estou a falar da ‘Vila Faia’, uma telenovela que ainda hoje passa na RTP Memória.

Z: Em 2008, durante a Gala da Ficção Nacional, Marco D’Almeida disse o seguinte em relação ao Ruy: ”Eu um dia gostava de ser assim”. Partindo desta frase, onde vai buscar as suas forças e energias, aos 87 anos?
RC: Não sei. Já estive muito doente, com tumores malignos, mas com a ajuda dos médicos e a minha vontade, consegui ultrapassar tudo. Deve ser por ter uma costela Transmontana, uma Alentejana e outra Escocesa, por parte da minha mãe, cuja avó era Escocesa.

Z: Perguntas Rápidas:
Vicio… gosto de ir para Cabanas de Tavira e comer no Restaurante Noélia Jerónimo;
Livro/filme/música/série favoritos… As Líricas do Camões, de William Shakespeare/’Os Cercados’, de Ridley Scott/Requiem de Mozart/Todas as séries que contam uma grande história e que tenham boa qualidade;
Na TV não dispenso… em especial, para ouvir as notícias e para ouvir música, no canal Mezzo.
A pessoa que mais admiro… não é uma, são várias, os meus pais, a minha mulher, os meus filhos e os meus netos.
Não vivo sem… a minha família e os meus cães, onde, para além da Naná, incluo os cães dos meus filhos.
Um dia corre bem quando… sinto que cumpri a minha missão.

Z: A sua vida dava uma novela? Porquê?
RC: Não dava nenhuma novela. É uma vida simples e sem sobressaltos.

Entrevista de Nuno Costa
Revisão de Inês Silva